Crítica literária de "A rainha vermelha"

Por Oliver Fábio
"A rainha vermelha" alcançou rapidamente o topo da lista dos mais vendidos do The New York Times, em sua primeira semana de lançamento. Foi o primeiro livro de um autor estreante a realizar esse feito, sucesso nos Estados Unidos que chegou logo ao Brasil, através da editora Seguinte e foi lançado em junho de 2015. Com sua leitura fascinante, trama veloz, que ganha rapidamente nossa afeição. A fábula de Victoria Aveyard, na realidade moderna, sem dúvida será uma das maiores trilogias da década e, com a produção do filme, promete arrebatar ainda muitos corações. 

O Ano é 320 da Nova Era. A sociedade é divida pelo sangue: vermelho (pobres) e prateado (ricos), no reino de Norta.  

Nesse cenário, vamos conhecer a intensa vida de Mare Barrow, no livro “A rainha vermelha” da escritora Victoria Aveyard. 

A família de Mare Barrow vive num pequeno vilarejo chamado Palafitas, onde vivem apenas os vermelhos. Mare tem 17 anos e não é uma filha exemplar, é uma ladra astuta, que envergonha os pais. Seus três irmãos estão no front de guerra, seu pai foi vítima da guerra e vive em uma cadeira de rodas, a mãe cuida do lar e Gisa, sua irmã mais nova, é a única que parece ter um futuro promissor, sendo bordadeira. Kilorn é o seu único amigo, órfão da guerra, que ela não deixou morrer de fome. 



Um grande problema se aproximava para Mare e Kilorn: todos os jovens, homens e mulheres que, ao completarem 18 anos e não tivessem um trabalho, seriam recrutados para a guerra. Kilorn levava vantagem sobre a desocupada Mare, entretanto, sua sorte mudou: ao ver seu treinador morrer, o medo de ir para a guerra lhe dominou. Mare, porém, tinha um plano: fugiriam. E nessa tentativa, como desertores, Mare busca no mercado negro a chance de escaparem do futuro nas trincheiras, mas logo suas esperanças são ceifadas. O preço para tal fuga seria 2 mil coroas, quantia que ela calculava ser o valor do trono do rei. Para os prateados, esse valor seria apenas o de um par de meias e Mare vê na irmã a solução para os seus problemas. Gisa trabalha fazendo bordados para os prateados, no rico mercado local, próximo à residência de verão da realeza, chamada de Palacete do Sol.  

O mercado pareceu a oportunidade de ouro para a mãe leve de Mare. Ela passeava tranquilamente, estudando o local, quando um plantão de notícias informou que tinha acabado de acontecer um ataque terrorista na capital, ataques que foram assumidos pelo grupo radical Guarda Escarlate, motim idealizado pelos vermelhos. Todos os prateados haviam parado suas atividades para ver o noticiário. Mare logo vê a rua principal se tornando uma zona de guerra e, em meio ao caos, um incidente acontece a sua irmã Gisa, por sua culpa. Uma manhã atribulada para o seu plano, mas a sorte de Mare mudou pela noite, após uma tentativa de roubo frustrada... 

Vermelhos: uma raça inferior, nascidos na lama, manipulados pelos prateados. Vivem em regime de escravidão e servem aos interesses do Estado. 

Prateados: povo movido pelo desejo, status, orgulho, fiéis seguidores da família real. Consideram-se uma raça superior, mais forte e inteligente, por ter o sangue diferente e poderes mágicos, condição de que os vermelhos não dispõem.  

Mare é revoltada e repudia o povo prateado, que não perde uma oportunidade de enfatizar sua supremacia sobre os vermelhos e logo ela estaria imersa no universo deles. 

O povo vermelho vive oprimido, sem muita esperança e oportunidades, num reino onde o preconceito é claro e pungente. Um retrato fiel da sociedade atual em que vivemos, em que as classes sociais são bem definidas, divididas por um abismo gigantesco entre ricos e pobres. O livro retrata a saga de Mare na busca pelo fim desse sistema opressor, herança milenar, que se arrasta desde os primórdios. 

A obra soa como um protesto latente ou talvez um tratado sobre o nosso mundo atual. Seria uma luz para as escórias da sociedade, as sombras invisíveis? Não se trata apenas de fantasia, mas de conceitos e regimes que precisam ser repensados urgentemente, para que, como no livro, não haja a extinção da nossa espécie, como somos agora. 

A personagem Mare passou a viver a dualidade desses dois extremos: riqueza e pobreza. A saga de Mare é tentar mudar o sistema em que as camadas hierárquicas são claramente representadas pelos prateados, povo que tem como líder o rei Tiberias e a rainha Elara. Os soberanos, dominam as massas menos favorecidas e detêm alguns poderes mágicos. O rei controla o fogo e a rainha, a mente. Ambos são os grandes tiranos. Logo atrás deles vêm os príncipes Cal e Maven, contudo, os quais parecem ser diferentes dos pais, porém até onde isso seria possível? Até que ponto abdicariam da vida de poder e riqueza em troca da dignidade dos vermelhos? Mas para a surpresa de Mare, acabam se mostrando mais humanos que os pais, deixando transparecer que não são felizes com a abastança que os cercam. A evidente amargura é resultado das duras regras da monarquia, da obrigação de perpetuar um sistema segregacionista. Sem vida própria, a despeito dos seus desejos, reconhecem os interesses do país. Ao longo da narração vamos percebendo o quão artificial e severa é a vida dos prateados, que apenas vivem de ostentação e carregam um grande vazio existencial. A vida dos príncipes não são flores, porém Mare não se rende à compaixão facilmente, pelo contrário, ela nutre uma forte antipatia pelos príncipes e prateados, no entanto, se vê em meio a eles e precisa se curvar às regras para se manter viva e, nesse jogo, acaba se envolvendo por demais e mudando alguns dos seus pensamentos, apesar carregar a certeza de "que todo mundo pode trair todo mundo". 
 

A narrativa apresenta várias partes eletrizantes. Uma delas acontece na arena de luta, um lugar hostil e humilhante que fica na terra dos vermelhos, incentivados a torcerem pelos gladiadores prateados em troca de pão e das bem-vindas cotas extras de eletricidade. O livro é repleto de embates eletrizantes, que chegam a lembrar “Street Fighter”. São momentos de pura tensão e suspense, que seguem até o desfecho devastador do combate. 

A obra é uma distopia que apresenta traços do século XIX - período da era vitoriana, porém com a Revolução Industrial já bem estabelecida -, com elementos da modernidade das grandes metrópoles atuais. Talvez esse primeiro volume da trilogia represente a efervescência da Belle Époque, um momento de transição histórica, política e cultural, mas sabemos que logo após essa época houve a Primeira Guerra Mundial. Será que é um exemplo disso que nos aguarda no segundo livro: a “Espada de Vidro”? A autora traz à tona um leque de discussões acerca das desigualdades sociais que existem em Norta, e que nos remete a nossa vida real.  

Uma trama extremamente bem amarrada, com soluções inteligentes: um rei tirano, um filho esquecido, uma mãe vingativa, um irmão com uma longa sombra, mutações estranhas e Mare, são as grandes personagens e ingredientes do livro de estreia de Victoria Aveyard. 

Sobre a composição da narrativa: 

O enredo é narrado em 1ª pessoa, por Mare. Por conseguinte, a narrativa é toda em volta dela, o que produz bastante envolvimento e, consequentemente, fluidez à leitura. Não há quebras no fôlego da história. A percepção de Mare é aguçada, chegando a ser bem divertida às vezes. A inexistência de um narrador onisciente para descrever com mais riqueza alguns aspectos não chegar a fazer falta, tudo é retratado ricamente através dos olhos de Mare. As personagens são bem autênticas e sempre nos surpreendem. O livro tem vários clímax, o que prende o leitor vorazmente. A narrativa é realmente avassaladora e cresce a cada página virada. 

A fórmula é antiga, porém, a mistura das tradições reais com elementos do mundo moderno é apresentada de maneira reestilizada e bem convincente. 



PONTOS POSITIVOS 
- Narrativa unilateral; 
- Linguagem simples; 
- Narrativa dinâmica e linear de fácil entendimento; 
- Apesar de ser o primeiro volume, o enredo tem início, meio e fim. 

PONTOS NEGATIVOS (são mínimos, apenas algumas observações) 
- A história se passa num mundo cheio de tecnologia e ficamos nos perguntando onde foram parar os celulares, computadores, câmeras digitas e outros aparatos, já que existem elevador, TV, filmadora, avião e etc... e a autora acaba por se perder em pequenos momentos ao revelar e esconder esses elementos, como no trecho a seguir:“De repente, um ritmo pulsante jorra de uma caixa, e então me dou conta de que aquilo é um alto-falante, como os da arena. Só que este é para música (...) É um som tão animado, bem diferente da música melódica da aula de Blonos e das canções do vilarejo”. Mare já conhecia o aparato, porém, no início do trecho soa como se fosse um objeto desconhecido. No entanto, esses detalhes não comprometem a narrativa em nenhum momento, são apenas pontuações críticas.

Não faltam motivos para este livro conquistar sua atenção e um espaço na sua lista de leitura. 








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